LITERARTE LETRAS ! ARTE CULTURA E COMUNICAÇÃO

domingo, janeiro 27, 2013

Filled Under:

O amor de Emilia e a sua escola particular


Talvez o melhor momento para ensinar a alguém que amamos muito seja aquele em que a vida deixa alguma cicatriz pois é diante de certas feridas que temos a grande oportunidade para mostrar o caminho certo a quem  por qualquer fatalidade tenha perdido o seu destino.A boa palavra e certas lições precisam do instante certo onde você se faz professor e sobretudo amigo para desenhar um novo horizonte tão cheio de vida e valores.E nessa linda fábula de Monteiro Lobato Emília estabelece a sua escola particular e mesmo com seu jeito inocente ensina para o anjo as coisas do seu mundo com doses de sabedoria e muito amor.



O anjinho de asa quebrada

Ninguém descreve o rebuliço que houve na casa. A vida parou. Os pintos ficaram sem quirera. A vaca mocha ficou sem palhas. O feijão queimou na panela. Ninguém queria saber havia razão para isso, porque jamais descera ao mundo uma criatura tão mimosa. É até difícil dar ideia da grandeza daquela florzinha das alturas. Muito louros cabelos cacheados, olhos azuis, asas mais brancas que as do cisne. Como era lindo!Infelizmente uma das asas se partira no ossinho do encontro, o que o impedia de voar. Infelizmente, para ele; para nós foi felizmente. Se não fosse o quebramento da asa, Emilia não o pegaria e nós não teríamos o gosto de conhecer em pessoa aquele mimo dos céus. Uma criatura do céu não pode saber nada das coisas da terra, de modo que o anjinho se mostrou duma ignorância absoluta de tudo quanto aqui por baixo à gente sabe até de cor. Teve de ir aprendendo com Emilia, a professora. —“Árvore, sabe o que é”? —perguntava ela. E como o anjinho arregalasse os olhos azuis esperando a explicação, Emilia vinha logo com uma das suas. — “Árvore, dizia: É uma pessoa que não fala; vive sempre de pé no mesmo ponto; que, em vez de braços, tem galhos; que em vez de unhas, tem folhas; que, em vez de andar falando da vida alheia e se implicando com a gente (com os tais astrônomos),dão flores e frutas.Uma dão pitangas vermelhas;outras dão laranjas doces ou azedas,e é destas que tia Nastácia faz doces;outras como aquela enorme ali (as lições eram sempre no pomar) dão umas bolinhas pretas chamadas jabuticabas.Vamos,repita:ja-bu-ti-ca-ba…”O anjinho atrapalhava-se e repetia errado: jatibucaba…fazendo Emilia rolar de rir.As perguntas do anjinho eram sempre duma infinita ingenuidade.—“Mas por que essas tais árvores nunca saem do mesmo lugar”?—“Porque têm raízes; explicava a Emilia. Raiz é o nome das pernas tortas que elas enfiam pela terra adentro. Bem que querem andar, as pobres árvores, mas não conseguem. Só saem do lugarzinho em que nascem quando surge o machado”. ”—” Que animal é esse?”—“ Machado é o mudador das árvores; muda a forma delas, fazendo que o tronco e os galhos fiquem curtinhos. Muda-lhes até o nome. Árvore machadada deixa de ser árvore. Passa a ser lenha. Le-nha;Repita.”—“É algum deus esse machado tão poderoso assim?Emilia ria-se, ria-se… —“Deus, nada burrinho! É antes um diabo malvadíssimo,mas diabo sem chifres,sem cauda,sem pés de cabras,sem cabeça,sem braços,sem nada. “Só tem corte e cabo…”—“Que é cabo?”—“Cabo é uma perna só por onde a gente segura. Faca tem cabo. Garfo tem cabo. Bule tem cabo (e bico também). Até os países tem cabo, como aquele famoso Cabo da boa Esperança que Vasco da Gama dobrou; ou aquele Cabo Roque, da guerra de Canudos, um que morreu e viveu de novo. Os exércitos também têm cabos. Tudo tem cabo, até os telegramas. Para mandar um telegrama daqui à Europa os homens usam o cabo submarino.” O anjinho ficava de boca aberta, sem entender coisa nenhuma —“Então o “submar” também tem cabo? ”—“Como não? E compridíssimos,que vão dum continente a outro.”—“É é por esses cabos que a gente pega no mar?”Emilia ria-se,ria-se.—“Oh!Disse ela ;você não imagina como é interessante a língua que falamos aqui!As palavras da nossa língua servem para indicar várias coisas diferentes,de modo que saem os maiores embrulhos.—“ Se é assim,por que eles não cortam a língua?”Emilia ria-se, ria-se”.

Monteiro Lobato.
Por Tony Caroll.

0 coment�rios:

Postar um comentário

Deixe seu comentário.Ele será muito importante para nós.