Afinal a quem pertencem as rosas?As borboletas ou aos beija-flores?E de quem
são as crianças?Daqueles que as abandonam, dos pais que adotam ou dos submundos
que as auto - flagelam? Isso me pergunto até hoje, desde que me contaram a
triste história de Aninha, abandonada pela mãe, adotada pela madrinha, sequestrada,
estuprada e morta aos treze anos de idade, por Wallace; o belo rapaz de classe
média que defendeu-se perante o tribunal de justiça dizendo ter sido o seu ato, “um
lindo gesto de amor!"
Flor de Novembro
Já presenciei
muitas coisas que me causara espanto, mas primavera agonizando foi à primeira vez.
Era novembro, fim de estação, últimos segundos, e sob o olhar da lua nova, ela
de cócoras deu a luz a tantas vidas às margens de um córrego tão propício a um
imenso jardim... Depois chorou copiosamente como se desejasse molhar os frutos
com as próprias lágrimas da despedida, após o aborto voluntário, para
libertar-se um pouco do remorso que sentia. Deixou a última semente tão
franzina em meio às outras que nem teve tempo de beijá-la antes de ir... Comparo
a primavera a qualquer ser humano que quer dar mais do que pode; pois quantas
primaveras já deixaram por aí, algum cravo, uma rosa ou quem sabe trigêmeos
girassóis abandonados no berçário de um hospital, numa lata de lixo, na porta
de algum ricaço ou até mesmo em mãos alheias em troca de dinheiro; esta deixou
as margens de um córrego. Percebi que estava meio alucinada, com sentimento de
culpa, talvez por achar que não houvesse enfeitado suficientemente a vida,
saíra por estradas e ruelas sem nenhum tipo de pudor, porque antes de ir embora
quisera simplesmente florir. Sempre tive a mania de comparar mulheres com
flores, transformar uma na outra, afinal ambas tem destinos tão iguais e as
diferenças entre elas tão somente é que: Mulheres parem crianças enquanto as
rosas abortam outras rosas e depois vão embora não sei pra onde... E quem
haverá de querer uma flor de novembro?Tão
esquisita, franzina, ainda molhada de placenta, com saudade do útero, entregue
ao abandono. Vi uma borboleta aproximar-se, beijá-la e despedir-se meio
saudosa; depois um beija-flor que lhe sugou um pingo de néctar, talvez
resquício de placenta e foi-se embora batendo asas no compasso do coração tão enamorado;
por último a sombra que as demais flores faziam a escondeu e, ela agonizou,
debateu-se entre os espinhos que despontavam das outras, revolveu o coração do
jardim florescido e, reclamou... Fenômeno que ninguém ousou descrever, mas eu
descrevi porque tenho alma de borboleta e desconfio dos beija-flores que gostam
de nutrir-se de beleza e impregnarem-se de raro perfume. Engraçado... As
borboletas e os beija-flores sempre voltam ao primeiro amor com segundas
intenções e, tal de Georgina curiosa que bem não havia realizado a sua
metamorfose, saíra do casulo naquela manhã e com as asas tão enfraquecidas foi
buscar a flor de novembro ainda tão pequenina lá ás margens do córrego onde
estava germinando e, cansada do voo prematuro voltou ofegante ao casulo de
porta muito estreita e, por horas tentou adentrá-lo com a florzinha minúscula,
porém exausta deixou-a do lado de fora e foi descansar a frustração. Enquanto
isso tal de Wallace beija-flor tão desorientado sobrevoava ás margens do
córrego procurando flor de novembro que deixara apenas a terra revolvida ao ser
arrancada por Georgina Curiosa. Aquela manhã fora um retrato de profundo
esplendor ás margens de um córrego repleto de variadas flores que se assanhavam
para aquele beija-flor impregnando de perfumes diferenciados certo vilarejo que
ia nascendo com cheiro de poesia, pois, vida de beija-flor é um mistério que
ninguém consegue desvendar... Porque apesar de viver beijando rosas, um dia
consegue se apaixonar por alguma delas e, então despreza as demais. E Wallace
beija-flor, já tão exausto de percorrer o vilarejo a procura de alguém que
julgava ser seu grande amor, pousando aqui e acolá, resolveu descansar um pouco
embaixo do beiral de um telhado que abrigava um casulo de aspecto velho e
abandonado onde Georgina Curiosa dormia talvez impregnada pelo perfume de flor
de novembro que, apesar de tão desfalecida ainda exalava vida. E então a vida
se fez tão majestosa em torno daquele pequeno casulo onde dormia Georgina, pois
com o peito estufado de virilidade, Wallace ficou a cortejar flor de novembro
durante alguns minutos naquela manhã e, enfeitiçado pela essência da flor,
pegou-a no bico, colocou-a sobre o peito, abraçou-a com as duas asas e voou com
elas fechadas mundo afora; aliás, quem nunca observou um beija-flor não vai me
compreender, pois, eles são enigmáticos e guardam segredos, e quando estão
rasgando o espaço com as asas fechadas, escondem alguma coisa consigo, e o que
Wallace escondia era uma flor roubada e prematura, com quem pretendia copular...
Mas Georgina curiosa acordou sobressaltada, não viu flor de novembro, chorou
copiosamente e, resolveu procurá-la.Assim são outras pobres mulheres que passam
as vidas mergulhadas em cruel agonia, a procurar seus rebentos que um dia lhe
foram tirados de forma tão impiedosa; expondo cartazes pela cidade, com os
corações cheios de esperanças vãs.Borboleta triste, nostálgica, vazia...Que um
dia beijou flor de novembro como formal compromisso e a adotou sem imaginar que
certas flores não têm dono, só servem mesmo para enfeitar e embriagar de
perfume à vida da gente.E Wallace beija-flor que encontrara flor de novembro
tão abandonada sobre um casulo parece que, de tão enamorado tomou o veneno dos
sonhos, transformou flor de novembro em mulher, tornou-se ingênuo, deu-lhe um
nome devasso, vestiu-lhe a caráter, levou-a para um canto qualquer, despiu-a
excitado, colocou-a sobre a cama e, depois entrou no banheiro, olhou o espelho
e, tão vaidoso lavou o rosto reluzente do azul da barba e, voltou
seminu... Cheiro de seiva fresca no corpo, pronto a copular. Estremeceu...
Visível deslumbramento, cheio de glamour e lágrimas-desenho de uma flor
vermelha, ainda com tinta fresca sobre o lençol branco. “Sangue” com aroma de
perfume; Beija–flor desconcertado a sobrevoar o quarto vazio sobre sombras;
enquanto por aí afora uma borboleta qualquer chora a ausência de uma flor...
Afinal a quem pertencem as rosas?As borboletas ou aos beija-flores?E de quem
são as crianças?Daqueles que as abandonam, dos pais que adotam ou dos submundos
que as auto - flagelam?Isso me pergunto até hoje, desde que me contaram a
triste história de Aninha, abandonada pela mãe, adotada pela madrinha, sequestrada,
estuprada e morta aos treze anos de idade, por Wallace; o belo rapaz de classe
média que defendeu-se perante o tribunal dizendo ter sido o seu ato, “um
lindo gesto de amor!"
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