Talvez o melhor momento para ensinar a alguém que amamos muito seja aquele em que a vida deixa alguma cicatriz pois é diante de certas feridas que temos a grande oportunidade para mostrar o caminho certo a quem por qualquer fatalidade tenha perdido o seu destino.A boa palavra e certas lições precisam do instante certo onde você se faz professor e sobretudo amigo para desenhar um novo horizonte tão cheio de vida e valores.E nessa linda fábula de Monteiro Lobato Emília estabelece a sua escola particular e mesmo com seu jeito inocente ensina para o anjo as coisas do seu mundo com doses de sabedoria e muito amor.
O anjinho de asa quebrada
Ninguém
descreve o rebuliço que houve na casa. A vida parou. Os pintos ficaram sem quirera.
A vaca mocha ficou sem palhas. O feijão queimou na panela. Ninguém queria saber
havia razão para isso, porque jamais descera ao mundo uma criatura tão mimosa. É
até difícil dar ideia da grandeza daquela florzinha das alturas. Muito louros
cabelos cacheados, olhos azuis, asas mais brancas que as do cisne. Como era
lindo!Infelizmente uma das asas se partira no ossinho do encontro, o que o
impedia de voar. Infelizmente, para ele; para nós foi felizmente. Se não fosse
o quebramento da asa, Emilia não o pegaria e nós não teríamos o gosto de
conhecer em pessoa aquele mimo dos céus. Uma criatura do céu não pode saber
nada das coisas da terra, de modo que o anjinho se mostrou duma ignorância
absoluta de tudo quanto aqui por baixo à gente sabe até de cor. Teve de ir
aprendendo com Emilia, a professora. —“Árvore, sabe o que é”? —perguntava ela. E
como o anjinho arregalasse os olhos azuis esperando a explicação, Emilia vinha
logo com uma das suas. — “Árvore, dizia: É uma pessoa que não fala; vive sempre
de pé no mesmo ponto; que, em vez de braços, tem galhos; que em vez de unhas, tem
folhas; que, em vez de andar falando da vida alheia e se implicando com a gente
(com os tais astrônomos),dão flores e frutas.Uma dão pitangas vermelhas;outras
dão laranjas doces ou azedas,e é destas que tia Nastácia faz doces;outras como
aquela enorme ali (as lições eram sempre no pomar) dão umas bolinhas pretas
chamadas jabuticabas.Vamos,repita:ja-bu-ti-ca-ba…”O anjinho atrapalhava-se e
repetia errado: jatibucaba…fazendo Emilia rolar de rir.As perguntas do anjinho
eram sempre duma infinita ingenuidade.—“Mas por que essas tais árvores nunca
saem do mesmo lugar”?—“Porque têm raízes; explicava a Emilia. Raiz é o nome das
pernas tortas que elas enfiam pela terra adentro. Bem que querem andar, as
pobres árvores, mas não conseguem. Só saem do lugarzinho em que nascem quando
surge o machado”. ”—” Que animal é esse?”—“ Machado é o mudador das árvores; muda
a forma delas, fazendo que o tronco e os galhos fiquem curtinhos. Muda-lhes até
o nome. Árvore machadada deixa de ser árvore. Passa a ser lenha. Le-nha;Repita.”—“É
algum deus esse machado tão poderoso assim?Emilia ria-se, ria-se… —“Deus, nada
burrinho! É antes um diabo malvadíssimo,mas diabo sem chifres,sem cauda,sem pés
de cabras,sem cabeça,sem braços,sem nada. “Só tem corte e cabo…”—“Que é cabo?”—“Cabo
é uma perna só por onde a gente segura. Faca tem cabo. Garfo tem cabo. Bule tem
cabo (e bico também). Até os países tem cabo, como aquele famoso Cabo da boa
Esperança que Vasco da Gama dobrou; ou aquele Cabo Roque, da guerra de Canudos,
um que morreu e viveu de novo. Os exércitos também têm cabos. Tudo tem cabo, até
os telegramas. Para mandar um telegrama daqui à Europa os homens usam o cabo
submarino.” O anjinho ficava de boca aberta, sem entender coisa nenhuma —“Então
o “submar” também tem cabo? ”—“Como não? E compridíssimos,que vão dum
continente a outro.”—“É é por esses cabos que a gente pega no mar?”Emilia
ria-se,ria-se.—“Oh!Disse ela ;você não imagina como é interessante a língua que
falamos aqui!As palavras da nossa língua servem para indicar várias coisas
diferentes,de modo que saem os maiores embrulhos.—“ Se é assim,por que eles não
cortam a língua?”Emilia ria-se, ria-se”.
Monteiro
Lobato.
Por Tony Caroll.
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