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segunda-feira, novembro 28, 2022

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Flor de novembro

Afinal a quem pertencem as rosas? As borboletas ou aos beija-flores? E de quem são as crianças? Daqueles que as abandonam, dos pais que adotam ou dos submundos que as autoflagelam?
E quem haverá de querer uma flor de novembro? Tão esquisita, franzina, ainda molhada de placenta, com saudade do útero e entregue ao abandono...


Flor de Novembro

 Já presenciei muitas coisas que me causara espanto, mas primavera agonizando foi à primeira vez. Era novembro, fim de estação, últimos segundos, e sob o olhar da lua nova, ela de cócoras deu à luz a tantas vidas às margens de um córrego tão propício a um imenso jardim...

 Depois chorou copiosamente como se desejasse molhar os frutos com as próprias lágrimas da despedida, após o aborto voluntário, para libertar-se um pouco do remorso que sentia. Deixou a última semente tão franzina em meio às outras que nem teve tempo de beijá-la antes de ir...

 Comparo a primavera a qualquer ser humano que quer dar mais do que pode; pois quantas primaveras já deixaram por aí, algum cravo, uma rosa ou quem sabe trigêmeos girassóis abandonados no berçário de um hospital, numa lata de lixo, na porta de algum ricaço ou até mesmo em mãos alheias em troca de dinheiro; esta deixou as margens de um córrego.

 Percebi que estava meio alucinada, com sentimento de culpa, talvez por achar que não houvesse enfeitado suficientemente a vida, saíra por estradas e ruelas sem nenhum tipo de pudor, porque antes de ir embora quisera simplesmente florir.

 Sempre tive a mania de comparar mulheres com flores, transformar uma na outra, afinal ambas tem destinos tão iguais e as diferenças entre elas tão somente é que: Mulheres parem crianças enquanto as rosas abortam outras rosas e depois vão embora não sei pra onde.

 E quem haverá de querer uma flor de novembro? Tão esquisita, franzina, ainda molhada de placenta, com saudade do útero e entregue ao abandono...

 Vi uma borboleta aproximar-se, beijá-la e despedir-se meio saudosa; depois um beija-flor que lhe sugou um pingo de néctar, talvez resquício de placenta e foi-se embora batendo asas no compasso do coração tão enamorado; por último a sombra que as demais flores faziam a escondeu e, ela agonizou, debateu-se entre os espinhos que despontavam das outras, revolveu o coração do jardim florescido e, reclamou...

 Fenômeno que ninguém ousou descrever, mas eu descrevi porque tenho alma de borboleta e desconfio dos beija-flores que gostam de nutrir-se de beleza e impregnarem-se de raro perfume.

Engraçado... As borboletas e os beija-flores sempre voltam ao primeiro amor com segundas intenções e, uma tal de Georgina curiosa que bem não havia realizado a sua metamorfose, saíra do casulo naquela manhã e com as asas tão enfraquecidas foi buscar a flor de novembro ainda tão pequenina lá ás margens do córrego onde estava germinando e, cansada do voo prematuro voltou ofegante ao casulo de porta muito estreita e, por horas tentou adentrá-lo com a florzinha minúscula, porém exausta deixou-a do lado de fora e foi descansar a frustração.

Enquanto isso um tal de Wallace beija-flor tão desorientado sobrevoava ás margens do córrego procurando flor de novembro que deixara apenas a terra revolvida ao ser arrancada por Georgina Curiosa. Aquela manhã ...




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